2011

a qualquer momento AGORA

poesia

A palavra mora no momento do agora

a qualquer momento AGORA (Curitiba: Edição do autor, 2005) é um livro escrito por Priscila Prado, que traz às bordas da temporalidade diversos poemas sobre o instante. Um longo e demorado instante sorvido até a última gota, no ‘agora’ que se demora entre a dor e o seu apaziguador – o Método Rességuier – método terapêutico que procura harmonizar o corpo sensível, em busca da restauração de um estado de atenção no fluxo interno-externo das sensações.

Logo de início a autora faz questão de lembrar Clarice Lispector: “Agora é o tempo inchado até os limites” (in: A Paixão Segundo G.H.). Priscila usa a poesia como forma de se agarrar àquele instante tão longo, em um período de vida em que se vê envolvida com a fibromialgia a lhe atacar o organismo e a busca de mecanismos de cura e de alívio da dor. Vê-se, portanto, nesse ‘inchado agora’, buscando ultrapassar seus limites e urgências. Encontra o Método Rességuier – viver no presente parece ser a única chave que abre a porta da serenidade – e é nesse aprendizado que mergulha a autora, literalmente, dos pés à cabeça.

das extremidades da palavra brotam dedos
pelos
flamas
a palavra tem extremos
de onde brotam raízes
ramos
alas

palavra porosa permeada de sopros:
da palavra sem limites
brota o broto

Nessa busca pelo momento exato do ‘agora’, Priscila impõe-se ao devaneio dos instantes, seja a observar e poetar o galho “(…) que veio/veio dar na praia (…)” (2005, p. 13), seja a ouvir os barulhos, “(…) os ruídos, roendo meu ouvido… isso eu não sei se dá pra esquecer” (2005, p. 14). Nesse captar de devaneios refugia-se o olhar, o pensamento, a palavra tomando forma entre os sentidos e seus desvarios – isso é bem certo – “acontece com todos nós” (2005, p. 15)!

A poesia desse longo ‘agora’ é ricamente devastada pela esperança – não há como ser diferente a palavra de Priscila – ela própria, entre costuras e remendos, busca abrir “(…) a luz, a janela, a porta,/dá um assovio/depois fecha tudo/ascende ao mastro/e acende o pavio” (2005, p. 16) – o pavio da esperança, da dança, ainda que bailarina apenas por um triz. Há conflitos, há sobressaltos, antiguidades, quinquilharias, poeiras nos cantos e nas beiras, culpas e angústias, mas também há sonhos, movimentos, alegrias, apesar da “(…) dor que te dilacera ao meio” (2005, p. 24).

Priscila busca os cenários, dá conta dos espetáculos – sinestesia da lembrança sempre acesa – vagalume de certezas -, porque sabe percorrer palavras ante o afã da alma que anseia por mais ‘agoras’ do que ‘nuncas’, ainda que “no espelho” refletindo sua outra face.

E, quando finalmente alcança seu ‘agora’, há um voo certo a criar asas pelas palavras: “(…) Sem passado nem futuro/o presente/suspenso por um fio hipnótico/num desvão do tempo” (2005, p. 41). Porque ‘agora’ é tão perto, dentro, já chegou ocupando ventos sorrateiros de memórias, sempre “(…) de novo/de um novo jeito” (2005, p. 38), tão livre a olho nu, na “(…) aurora/de cada hora” (2005, p. 50). Porque ‘agora’ é “movimento vivo” (2005, p. 60), e é preciso “viver: o parto inevitável de si mesmo” (2005, p. 66).

Porque ‘agora’ é o momento certo para esse voo poético: – recomendo muito a leitura dos poemas de Priscila!

Nic Cardeal
03/09/2018

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