2019 Lançamento

Encontros Desconcertantes

fotografia, poesia

Encontros Desconcertantes é livro, exposição, oficinas e outras intervenções poéticas deflagradas a partir dos pares de poemas e fotos selecionados pela autora.

São desconcertantes os encontros do ser no mundo – que é o espaço onde ele se conhece. É desconcertante reconhecer-se no outro. Reconhecer seus limites. O desafio do tempo. A beleza, mistério e perigos da natureza. A poesia que tudo permeia. E, o mais desconcertantes dos encontros: o do sujeito consigo mesmo.

Além do incentivo à leitura em geral – de poesia, em particular -, o projeto incentiva à leitura do mundo, à reflexão, à autonomia do pensamento.

O humor atravessa a obra – de forma mais ou menos sutil -, ora nos próprios versos do poema, ora na ironia da foto que com ele dialoga.

Projeto Gráfico: Gerson Cordeiro (Nexo Design).

descoberta arqueológica

somos o homem pré-histórico
em relação aos seres do futuro:
somos precários, grosseiros, rudes, obtusos
– e peludos.

Porque viver ‘É poesia que se desconcerta’

A mais recente obra da poeta Priscila Prado tem como título Encontros Desconcertantes (Curitiba: Editora Insight, 2018). Priscila trabalha nesse livro fazendo poesia com palavras e imagens, numa mistura incrivelmente deliciosa de ver – e ler! Como muito bem dito na quarta capa, “encontros desconcertantes é palavra e imagem. É poesia que se desconcerta quando encontra o olhar, a escuta, a alma do leitor. Desconcerta-se e segue. Aberta”.

O livro todo mergulha nesse recorte mágico entre imagem e palavra e, sendo assim, o que a palavra não alcança, a imagem que a circunda dá conta de o fazer, e vice-versa (ou vice-verso?), num encantador jeito de fazer acontecer o encontro com o ‘mundo’, com o ‘outro’, com o ‘limite’, o encontro com o ‘tempo’, com a ‘poesia’, com a ‘natureza’, para, ao final, reverberar tudo isso bem fundo, no encontro ‘consigo’ mesma.

Na busca da poética do encontro com o mundo, a autora viaja, literal ou linguisticamente, nos voos da alma ou nos passos chão a chão, porque para Priscila viajar é “apropriar-se de cada destino/até ao mundo todo/pertencer” (2018, p. 9). Nesse encontro com o mundo o caminhante é talvez o protagonista mais importante da palavra poética, porque são seus passos pelo vasto mundo – do real ou da imaginação – que trazem ao coração a palavra a ser dita, poetizada na medida certa. Até a metrópole encontra lugar no olhar de Priscila, porque a cidade acolhe a vida, o homem, a tristeza, a saudade e a alegria – a cidade é a casa das dicotomias, sintonias e dissonâncias humanas. Assim, o mundo vai se transformando em um verdadeiro quadro de recortes, “fragmentos de um mesmo universo/coisas implícitas, outras cifradas (…)” (2018, p. 13), porque até as lembranças, o futuro, o verde do dia e o negro da noite, são preciosidades na poesia que se descortina sob o olhar de Priscila, que capta o essencial do ser urbano para dizer o cosmos “mundo afora, Universo adentro” (2018, p. 16). Enfim, o encontro com o mundo pode dar-se, inclusive, na palavra ambígua da busca, quando, “na ânsia de ser amado,/frequenta-se todos os lugares/onde o amor/não pode ser encontrado” (2018, p. 24).

A poeta vai ao encontro com o outro por meio de recados poéticos, flertes de olhares dados aos sentidos, no prazer da fruta e do fruto, porque no fundo, bem no fundo, “todo mundo quer ser feliz” (2018, p. 33). Para a autora pode até ser que o outro esteja entre as páginas de um livro lido, descoberto no sebo, entre medos, suspiros, risos escondidos que se escancaram ao estampido das palavras então libertas! Também o outro pode estar no meio da noite, na calçada, na estrada vazia, no jornal que descreve as mazelas na etiópia ou na dinamarca. Há que sempre buscar o outro pela poesia, é como entendo a poeta Priscila, nesses encontros desconcertantes que buscam consertos (e concertos!) à alma e ao coração errante. Por isso a premente necessidade de faxina – aquela mesma de lapidar arestas, recortar bordas pontiagudas, refazer ranhuras, costurar defeitos e desfeitos, entender dos medos, das raivas guardadas, de expectativas desconhecidas… “até chegar a este lugar que desconheço: o amor” (2018, p. 42).

Para encontrar o limite (que pode ser o avesso, o começo, o abismo, a planície, a vida aqui ou a vida lá, o muro, a memória do muro, a trégua – bandeira branca que ao vento balança – o real ou a ilusão, até chegar a morte pra dizer a todos ‘- daqui mais não!’), a poeta faz da palavra a linha que se estica toda e um dia arrebenta, porque para ela “a morte dá um medo/ – mas a eternidade,/uma preguiça!” (2018, p. 57). E o limite da poesia, que se desconcerta nesse encontro, pode estar até na medida do mal, porque “do mal só a porção exata/e necessária:/a dose homeopática/capaz de despertar/a possibilidade/do bem” (2018, p. 58). Porque o limite também é a vastidão do oceano, o navegar no mar, o entender que “o inferno/é não compreender o idioma/da alma” (2018, p. 62).

Priscila também busca o encontro com o tempo, em suas mãos que desenham poesia nas imagens recortadas dos olhos e materializadas em fotografias e palavras, numa incrível descoberta arqueológica dos sentimentos do mundo. Priscila de fato encontra, desconcertante, o tempo nas próprias memórias que, vez ou outra, passam-lhe despercebidas. As paisagens, ao tempo tão antigas, as memórias, as histórias, sempre tão antigas, desconcertando a vida que passa – sem ser percebida – deixando saudade, alvorada, ilusão, fazendo-nos pensar que “numa aurora qualquer/sem melancolia/o barco partirá/deixando acenos/e costas” (2018, p. 81).

Para encontrar com a poesia a autora veste-se de pescador, de isca, de peixe, até de poema, de dilema de dizer a palavra bem dita. Para encontrar com a poesia é preciso esquecer a poesia, mergulhar na palavra, “aceitar o risco/da palavra/ousar a lavra/lavrá-la – lavrar-se (…)” (2018, p. 88), porque em Priscila “o poeta vive de aparar arestas/estas/que há entre palavras/sentidos/minhas e tuas” (2018, p. 89). E a resposta à poesia vem da fonte: “- não,/a poesia não é útil:/é essencial!” (2018, p. 94).

Para o vital encontro com a natureza, a autora ara a terra em busca de vida, caminha pela alameda, vê o peixe no espelho d’água, “a areia a modelar o coração” (2018, p. 107), observa o poente e as sombras que o preenchem, sente o universo, o espaço, o firmamento, os ipês e as “nuvens até/fustigadas pelo vento” (2018, p. 113). Porque até o desconcertante encontro de si com a natureza pode ocorrer em insustentável leveza, ainda que por um instante seja possível que se esqueça que todos por aqui apenas passamos, “e nada foi feito para se guardar” (2018, p. 118).

Ao final, ao encontro consigo, a poesia de Priscila descobre “clandestinos,/anseios aventureiros/na viagem a si” (2018, p. 123). Nessa viagem a poeta escreve nas paredes das cavernas (da alma), sonha asas em suas costas (da alma), leva a solidão a passear “em queda livre no abismo da existência” (da alma) (2018, p. 126), encontra a criança nascida em si, chorando “como quem nasce” (2018, p. 127). Porque em si, em nós, “ante olhares indiscretos, indiferença, julgamento, troça/estamos todos em obras/com as entranhas expostas” (2018, p. 135) – porque viver, de fato – é fato – é estar ’em obras’!

Assim, está feito o trajeto de Priscila nesse ‘encontro’ poético: é preciso que a palavra viaje no ‘mundo’, faça contornos no ‘outro’, abranja volumes no todo e nas partes para compreender seu ‘limite’, aos ponteiros do relógio faça voltas no ‘tempo’, desenhe ‘poesia’ no arado da linha, observe e absorva o essencial da ‘natureza’, até que se depare no encontro, ainda que desconcertante, ‘consigo’ – na alma do regozijo!

Nic Cardeal

18.11.2018

Incentivo

Projeto realizado com o apoio do Programa de Apoio e Incentivo à Cultura Fundação Cultural de Curitiba e da Prefeitura Municipal de Curitiba

Projeto realizado com o apoio do Programa de Apoio e Incentivo à Cultura Fundação Cultural de Curitiba e da Prefeitura Municipal de Curitiba.

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